Boa noite marinheiros, hoje dei comigo a pensar qual será o propósito desta viagem… porque é que estamos aqui? Porque é que estamos neste barco a remar, sabe-se lá para onde, porque é que a nossa vida seguiu este rumo e não outro? Estamos onde? A fazer o quê? Já passamos parte da nossa vida a navegar, e mesmo assim continuamos sem saber o porquê! E eu vejo velhos, a andar pelas ruas, e vejo pessoas com muita mais vida para trás ainda a remar, mas sem rumo, ou com rumos fictícios! Qual é essa ideia de que se tiver um emprego, tiver uma família, e ser bem sucedida me irá tornar feliz?… Porque é que hei-de acredita nisso, se vejo tantos homens vestidos com fatinho e gravata, como se essas gravatas e os requintados botões de punho dissessem: "Ele é bem sucedido, tem um bom emprego, e vê lá até dinheiro teve para nos comprar, porque sim nós não somos da lojita da esquina, viemos directamente da frança de um das melhores lojas de paris!"( e mais caras por sinal! Que eu nem sequer vou-me dignar a pensar no nome da possível loja, por ser algo completamente insignificante) Como se aquela coisita tecnológica que trazem ao ouvido disse-se "somos do ultimo modelo!" mas para quê o ultimo modelo, amanha já há um novo! E todas essas bojigangas serão apenas lixo! Mas na verdade, eu não vejo felicidade em quase nenhum desses homens,… ah! porque eles tem família, mas vêem os filhos 5 min por dia, quando por acaso se cruzam com eles, e abandonam os filhos à educação escolar, para que mais uma vez haja apenas um ensino formatado, porque por melhor que o professor seja não consegue desenvolver tudo o que os pais não fizeram com 30 miúdos dentro do mesmo cubículo. Vejo mais felicidade no mendigo que não tendo a sua vida de sonho, nem sendo obviamente o ideal da sociedade, ainda sabe valoriza e ouvir, repito ouvir (porque a maioria das pessoas já não conhece essa palavra…) um "bom dia" ou um sorriso.
Oh marinheiros, peço desculpa, com tanta vontade de falar esqueci-me de dizer que hoje é o dia 6786de viajem, e lamentavelmente não sei que mar é este…
Provavelmente é o mesmo mar onde nasci e onde morrerei, não sei, talvez nunca tenha saído deste mar, talvez este mar, nem um mar seja, talvez é apenas um laguito sem saída e nós achámos ser tão grande. Pergunto novamente, porquê estar aqui? Porquê seguir as pegadas que alguém, sabe-se lá quem, pensou para mim? Pensou para mim nada, na verdade nem foram pensadas, foram impostas pela ridícula sociedade mundial. Pois para sermos boas pessoas temos de portar-nos bem, fazerem um curso, termos a melhor nota possível, termos um emprego, subirmos na carreira, para ganhar o dinheiro para viver e para todas as outras coisas que desejamos, ou que devíamos desejar, e que vemos em anúncios enfadonhos que nos mudam a nossa forma de pensar sem sequer notarmos, de forma tão passível, que quando nos apercebemos, soa-nos a algo completamente ridículo. No fundo, fazer aquilo que os outros querem! E claro, sonharmos, temos de sonhar, mas não muito alto porque ai já começamos a ter ambições de destruir o ideal que nos impõem! Eu sei que isto é um cliché, mas o dinheiro compra muito pouco do que é essencial para a vida, e quando digo vida, falo em realmente vida, seja lá o que ela for, não falo em sobrevivência!
Pensem comigo, se tivermos vivido como o primeiro exemplo, do homem bem sucedido com o nó da gravata bem feito, não iremos chegar ao fim a perguntar mas para quê? Porquê tanto trabalho? Porquê seguir todo este caminho e continuar sem nada? No fundo ser uma pessoa vazia. Peço desculpa à sociedade, mas eu não quero ser assim. Não quero fazer um caminho a correr só porque me disseram para o fazer! Quero viver! Eu digo Viver mesmo, ser alguma coisa! Não preciso que as pessoas reconheçam que sou boa em algo ou não, viveria na miséria toda a vida, mas pelo menos seria alguma coisa, seria verdadeira! Seria!… eu não quero ficar no limiar da vida e da existência, quero ser algo mais, não quero ficar escondida por trás de um fato formal e de um monte de maquilhagem, quero ser como sou, com todos os defeitos, e qualidades que possa ter, pelo menos não serei algo sem ser.
Não sei porque estou aqui, nem sei bem onde estou, parece que toda a minha vida não passou de um filme, parece que nada existe à minha volta… parece que não existo, mas ao mesmo tempo tenho um monte de forças a empurrar-me para caminhos que eu não sei se são o meu, são caminhos para todos e dizem que será bom se eu me aventurar por lá! Mas eu não quero ir! Não quero perseguir um trilho já registado com um mapa dado, que apenas tem umas falhas, só para sentir a aventura! Eu quero ir para florestas desvendar caminhos nunca antes desvendados! E se me perder, deixem-me andar perdida à procura de algo, mesmo que não saiba o que é! De qualquer forma já ando perdida neste vosso mundinho definido, que na verdade nem sequer conseguem saber de que é feito!
Chamem-me de Louca, se quiserem, insultem chamem-me de parva, queria ser completamente indiferente a tudo o que dizem e pensam, mas acho que já não consigo, assim fui em criança, mas agora 18 anos depois de nascer, vejo-me já demasiado influenciada por todas essas vossas manias, e tenho um conjunto de linhas transparentes que me prendem e tentam moldar. Quero livrar-me delas! Não quero ofender ninguém, mas eu não quero tirar um curso só porque sim, não quero fazer nada da vida porque tem de ser, quero sentir cada coisa que faço, quero estar lá, quero vida! Não quero ser marioneta!
Não me venham dizer que estou errada, deixem-me descobrir se isso for verdade, já errei tantas vezes, erro tantas vezes, mais uma não me irá fazer mal…
Para concluir, e porque já acho que abusei das palavras, cito um génio português, José Régio, e cito o poema inteiro porque não consigo seleccionar parte, ele diz tudo:
""Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
""Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"